sexta-feira, 4 de julho de 2008

Pegue a bicicleta


Felipe Lobo

28.06.2007

Às vésperas dos jogos Pan-americanos e com um discurso oficial de preocupação com os efeitos das mudanças climáticas no cotidiano dos cariocas, a prefeitura do Rio de Janeiro perde uma boa oportunidade de incentivar o uso de bicicletas como transporte alternativo. As altas temperaturas e a falta de segurança não devem ser usadas como argumento para manter as duas rodas na garagem, segundo José Lobo, presidente da ONG Transporte Ativo (TA). A segurança pessoal, diz ele, é um problema da cidade que todos estão sujeitos em qualquer transporte, além de que pedalar em ritmo de ‘cruzeiro’, como é chamada a baixa velocidade, equivale a andar a pé. Utilizar as “magrelas” como locomoção para o trabalho, a faculdade e outros afazeres não é uma prática muito comum entre os cariocas, embora o volume de usuários tenha triplicado entre 1994 e 2004. De acordo com pesquisas realizadas pelo Processo de Estruturação dos Transportes e Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), enquanto o número de viagens/ dia de bicicleta realizadas na região metropolitana do Rio de Janeiro em 1994 era de 169.459, no ano de 2004 atingiu a marca de 645.510, o que equivale a 3,24% das conduções utilizadas.

Não custa lembrar que esta estatística conta apenas com percursos realizados entre casa e trabalho - e vice-versa -, o que estimula a curiosidade a respeito do número real de vezes em que a bicicleta deixa sua vaga no canto da garagem para ganhar as ruas da cidade. Ainda que, a olhos vistos, as milhares de viagens impressionem, a porcentagem ainda é pequena se comparada com a dos automóveis, que contabilizam 15,61% do total. Para aqueles que vivem o dia-a-dia do Rio de Janeiro, com engarrafamentos em quase todos os bairros provocados pelo acúmulo de transportes motorizados, essa diferença não chega a incomodar. Ao observar outra estatística, no entanto, a surpresa vem a galope. De acordo com o livro Ciclovias Cariocas, de 2005, editado pelo Instituto Pereira Passos (IPP), a frota de carros que circula pelas ruas cariocas é duas vezes menor do que a de bicicleta. Os espantos não param por aí. Enquanto a mesma pesquisa alerta que 78,5% das viagens são feitas através de transportes coletivos ou a pé, um estudo realizado em 2002 pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo) concluiu que o Brasil é o 5º maior consumidor de magrelas do mundo. Outro estudo de 2004 da mesma associação tentou contemplar o número de exemplares no país. “A pesquisa chegou a 60 milhões em 2004 e, agora em 2006, atingiu 70 milhões. Mas acredito que tenhamos por volta de 80 milhões de bicicletas, já que o estudo não contou as feitas em fundos de quintal”, diz Lobo. O que falta é usá-las. As primeiras ciclovias cariocas foram feitas na preparação que cercou as expectativas da população com a iminente chegada da Rio-92, através do Projeto Rio Orla. Hoje, o Rio de Janeiro orgulha-se de ser a segunda cidade latino-americana com a maior malha cicloviária, atrás apenas de Bogotá, na Colômbia. Os 140km dedicados exclusivamente aos transportes não motorizados, no entanto, ainda não parecem ser convidativos o bastante para que a população aumente a rotina de pedalar para se locomover. Mas dizer que as ciclovias são as únicas culpadas pelo baixo índice de ciclistas no estado seria simplificar demais a questão. “O Código Nacional de Trânsito (CNT) avisa que as bicicletas têm preferência sobre os carros, mas os usuários do sistema de trânsito e, muitas vezes, os próprios agentes de trânsito desconhecem esse artigo”, afirma Lobo. E ele tem razão. O artigo 170 do capítulo XV do CNT afirma que “dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos” é considerado infração gravíssima seguida de multa e suspensão do direito de dirigir. A educação no trânsito (que abrange o sistema cicloviário) diferente do que determina o artigo 10º da Lei 2.392 não é efetuada de forma constante. “O trabalho deveria ser permanente, mas precisamos de apoio. A campanha Pedale Legal, por exemplo, teve oito dias de ensinamentos para os ciclistas, motoristas e pedestres em locais diferentes, o que foi possível com um convênio entre a prefeitura e uma rede da comunidade européia”, afirma Roberto Ainbinder, coordenador do GT Ciclovias, grupo de trabalho criado em 1993 e reeditado em 2003 com membros da sociedade civil e de órgãos da prefeitura. Nele, há discussões sobre as melhores formas de educação no trânsito, projetos e supervisão de construções de ciclovias. A Secretaria de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, responsável pelo planejamento, implantação e gestão do sistema cicloviário na cidade, afirmou em comunicado a O Eco que o incentivo para a prática das pedaladas é fundamental. Segundo o texto enviado por e-mail, com campanhas a população seria informada “do uso da bicicleta como meio de transporte não poluente e de baixo custo”. Mas não disseram um esforço que está sendo feito por parte da prefeitura neste sentido. As dificuldades para andar de bike no Rio de Janeiro são muitas, afirmam Ainbinder e Claudia Tavares, arquiteta do Instituto Pereira Passos e integrante do GT. O calor da cidade, além da falta de segurança pessoal, de boa infra-estrutura de bicicletários adequados e banheiros equipados são alguns dos motivos levantados pelos dois que, possivelmente, contribuem para a preferência por outros tipos de transportes. “A cidade ficou pouco amigável, não somente para os ciclistas, mas também para as crianças brincarem nas ruas, por exemplo. Há muito tempo o carro ocupou o lugar na cidade”, lamenta Tavares. José Lobo concorda sobre as dificuldades que tangem a falta de estrutura, mas afirma que a fiscalização é necessária justamente para que a prática de pedalar se transforme em uma rotina para os cariocas, que têm o privilégio de misturar exercício físico, locomoção limpa e um lindo visual em suas viagens diárias.

Foi com este pensamento que a Transporte Ativo fez, em janeiro último, uma blitz em shoppings centers da cidade para ver o cumprimento da Lei Complementar nº 77, que em seu Artigo 1º alerta sobre a obrigatoriedade da existência de estacionamento exclusivo para bicicletas nestes locais e em hipermercados. Dos 24 shoppings visitados, 18 tinham bicicletários, mas apenas quatro estavam adequados às normas de funcionamento e estrutura. “Falta divulgação para o público, porque poucas pessoas sabem que os shoppings têm esse serviço”, ressalta Ainbinder. Novamente procurada, a Smac disse que o papel de fiscalização cabe a Secretaria Municipal de Urbanismo que, por sua vez, sugeriu uma visita a sua página e um contato com a assessoria de Meio Ambiente.

Para além desses pequenos problemas de comunicação, o Rio de Janeiro possui muitas áreas planas, baixo índice de chuvas ao longo do ano e belezas naturais a perderde vista. Mas, para que este convite ao pedal seja aceito por mais pessoas, ainda é necessário que se tomem algumas medidas. De preferência a criação de uma cultura da bicicleta como meio de transporte, maior educação no trânsito e melhores infra-estruturas em estacionamentos e estabelecimentos comerciais e públicos para que o motorista possa lavar o rosto e eventualmente trocar a blusa suada. Quem sabe assim o saudável passeio nas “magrelas” possa crescer ainda mais na grande metrópole.


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